Agachamento e Joelho
A crença de que o agachamento profundo seria lesivo aos joelhos foi baseada em análises da década de 1960, que levaram militares estadunidenses a suspender alguns exercícios calistênicos, como os famosos cangurus. No entanto, essas análises iniciais possuem inúmeras limitações. Por exemplo, algumas avaliações foram realizadas com paraquedistas, dentre os quais as lesões de joelhos são comuns pelas pernas serem constantemente presas às linhas e devido ao impacto ocorrido nas aterrissagens (lembrem-se que estamos falando de pára-quedas da década de 1960). Além disso, fazer a associação dos exercícios realizados durante o treinamento militar com os agachamentos prescritos nas academias é uma distância enorme!
Adicionalmente, a base teórica para condenação do agachamento tem alguns problemas relacionados à atividade muscular. Segundo alguns conceitos, o agachamento profundo é perigoso porque, ao flexionar o joelho em ângulos maiores que 90° aumenta-se perigosamente a tensão na patela. A maioria dos “especialistas”, porém, analisa o agachamento pensando somente no quadríceps e se esquecem que na fase profunda do movimento, os músculos posteriores da coxa são fortemente ativados ajudando a neutralizar a temida tensão exercida na patela. Essa coativação da musculatura posterior gera uma força vetorial direcionada para trás, que contribui para estabilizar os joelhos durante o movimento (Isear et al., 1997) e faz com que a tensão na patela seja reduzida em cerca de 50% (Shelburne & Pandy, 1998; Li et al., 1999). Deve-se reforçar que a participação dos músculos posteriores é maior quanto maior for a amplitude do movimento (Caterisano et al., 2002), e também sofre influência da carga utilizada (Shields et al., 2005), portanto, será maior com cargas altas e amplitudes completas.
Outro problema dos estudos antigos é a análise da capacidade contrátil das fibras sem levar em conta a relação com o comprimento e a secção transversa do músculo, um aspecto que só começou a ser corrido a partir da publicação do estudo de Zheng, em 1998 (Zheng et al., 1998). Esse erro levava os autores a subestimar a força aplicada pelo músculo e superestimar a tensão aplicada às estruturas articulares. Essa sequência de equívocos nas análises nos obriga a ter cautela com relação às teorias criadas para condenar o agachamento.
Inclusive, análises das forças compressivas e de cisalhamento no agachamento nos mostram claramente que os piores ângulos são os que normalmente se recomendam como mais seguros. Por exemplo, no estudo de Li et al., foi verificado que, para uma carga constante, as maiores forças de translação anterior, lateral e rotação interna da tíbia ocorrem nos ângulos de 30 a 60 graus, sendo menores quanto maior a amplitude do movimento (Li et al., 1999). No estudo de Escamilla et al. (2001) foi verificado claramente um aumento das forças compressivas tibiofemorais e patelofemorais até se chegar a um ângulo de aproximadamente 80-90 graus, sendo que essas forças caem a medida que a amplitude aumenta. Anteriormente, Zheng et al. (1998) e Wilk et al. (Wilk et al., 1996) também haviam verificado que as maiores forças compressivas tibiofemorais no agachamento ocorrem justamente próximas ao ângulo de 90 graus. Adicionalmente, ao comparar o agachamento, leg press e a mesa extensora, Wilk et al. (1996) não encontraram diferenças nas forças compressivas entre os exercícios, além de verificarem que o agachamento e leg press não produzem forças anteriores, ao contrário da cadeira extensora.
Interessante notar que os estudos foram realizados com uma carga constante, ou seja, as mesmas cargas foram utilizadas para todos os ângulos. No entanto, quando se realiza um agachamento até 90 graus, por exemplo, a carga é consideravelmente maior em comparação com o agachamento completo. Se pensarmos que as forças compressivas são proporcionais à carga utilizada, veremos que, na prática, utilizar os movimentos parciais é ainda pior que usar amplitudes completas.
Esses estudos revelam um grave equívoco em que caímos ao definir os ângulos e até mesmo a forma mais segura de realizar os exercícios. Quando se pensa em preservar ou recuperar a articulação do joelho, é comum recomendar os ângulos agudos, como os de 90 graus, nos exercícios de cadeia cinética fechada (agachamento, leg press…), o que já vimos ser equivocado. Outra prática popular é recomendar a mesa extensora no ponto de extensão máxima, muitas vezes até com exercícios isométricos. Dois erros! Em primeiro lugar, o ponto de extensão máxima nesse exercício é o que produz maior tensão anterior (Wilk et al., 1996). Em segundo, a isometria aumenta a rigidez, além de não aumentar o fluxo sangüíneo para os tendões (Kubo et al., 2009).
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